Notícias falsas na política

*Fausto Matto Grosso


Existe uma parábola judaica muito interessante. Certo dia a mentira convenceu a verdade a se banhar em um rio. Assim que entraram na água, a mentira saiu sorrateiramente e roubou a roupa da verdade. A verdade se recusou a vestir a roupa da mentira e saiu andando nua pelas ruas. Desde então, as pessoas, acham mais fácil aceitar a Mentira vestida com as roupas da Verdade do que aceitar a Verdade nua e crua.

As fake news na política não são coisas novas. Nero divulgou boatos que os cristãos haviam incendiado Roma. Não suficiente, os acusou de canibalismo, pela falsa interpretação da eucaristia “beber o sangue de Cristo” e “comer o corpo de Cristo”. Também de incesto, pois chamavam uns aos outros de Irmãos. Os cristãos passaram a ser rejeitados e insultados na rua.

No Brasil, temos casos famosos. Em 30 de setembro de 1937 foi anunciada a descoberta do Plano Cohen, atribuído à Internacional Comunista, de uma revolução judaico-comunista no Brasil contra Getúlio Vargas. Na verdade o plano foi uma farsa, montada por militares brasileiros, coordenados pelo então capitão integralista Olímpio Mourão Filho para garantir a permanência de Vargas no poder e o estabelecimento do Estado Novo.

Também ficou famosa a derrota, em 1945, do brigadeiro Eduardo Gomes pelo general Eurico Gaspar Dutra após ter sido esparramada a notícia falsa de que o brigadeiro teria dito que não precisava dos votos dos marmiteiros.

Sem serem novidades, as fake news ganharam maior importância no contexto de crise e ruptura das grandes narrativas históricas, políticas e ideológicas. A revolução tecnológica 4.0, jogou por terra muitas das antigas verdades totalizantes. Passou a valer o individualismo. Cada indivíduo passou a ter uma verdade própria para chamar de sua. Passou a ser assustadora a convicção que as pessoas passaram a ter, diante de questões altamente complexas. A ciência, o melhor critério para a análise dos fatos, passou a ser negada. Passamos a viver no paraíso das narrativas. Os fatos, ora os fatos!

Voltemos à política. Nas eleições de Trump e Macron, o processo chegou ao auge, com o envolvimento de países estrangeiros na propagação de notícias falsas. Surgiu um novo e próspero ramo de negócios, o de mercenários eletrônicos. 

Em 2018, Bolsonaro usou e abusou da contratação de “perfis militantes” para influenciar o resultado eleitoral.  Segundo pesquisa relatada na Veja por Sérgio Denicoli, da consultoria AP/Exata, já durante a pré-campanha, explodiu o número de perfis falsos. Desses, 80% era de Bolsonaro e 20% era do PT.  Durante a campanha, algumas notícias falsas falavam que Haddad pretendia estatizar as crianças a partir dos cinco anos e que legalizaria o sexo com as maiores de doze anos. Atribuíam também ao petista a criação do “Kit Gay”. Outras notícias atingiam Jair Bolsonaro, dizendo que ele teria vontade de alterar a padroeira do Brasil e acabar com o tratamento de câncer devido ao alto custo. Mentiras como essas, levavam a opinião pública à radicalização e, ao final, favoreceram a Bolsonaro.

Em 2018, após as eleições, foi criada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre as Fake News, e proposto um projeto de lei no Senado, para regular a matéria, aditando artigos na Lei do Marco Civil da Internet. Esse assunto continua na ordem do dia.

A nota técnica da assessoria legislativa convocada para esse assunto aponta alguns problemas para uma nova regulamentação. Primeiramente, a proposta pode ser questionada diante dos princípios constitucionais relacionados às liberdades de informação e comunicação. Mas também salienta que a legislação eleitoral já estabelece medidas que genericamente podem combater fake news, como direito de resposta e retirada de conteúdo da internet. Em síntese, o assunto é complexo e controvertido.

Só espero que, como no romance “1984” de George Orwell, tudo não acabe sendo delegado ao gerenciamento de um “Ministério da Verdade”.

*Engenheiro e professor aposentado da UFMS

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