Análise molecular auxilia Iagro no diagnóstico da raiva em Mato Grosso do Sul

UFMS


Por meio da pesquisa “Epidemiologia molecular e espacial da raiva em Mato Grosso do Sul” e do Programa de Residência Profissional em Medicina Veterinária, a UFMS tem ajudado a Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro)  no diagnóstico da doença no Estado.

O maior surto de raiva canina aconteceu em Corumbá em 2015, com 70 casos caninos e um óbito humano. O controle efetivo só ocorreu em 2017. Mas os casos bovinos continuam acontecendo.

Em ambas as situações a Iagro realiza o diagnóstico convencional. Mas desde 2015, a UFMS recebe amostras do serviço oficial, após o diagnóstico preliminar na Agência, e então realiza o complemento da pesquisa por meio da análise molecular.

“Em alguns casos contribuímos para sanar eventuais dúvidas nas amostras oficiais. A Iagro realiza o método de imunofluorescência direta mas, às vezes, se a mostra tiver muita sujidade, se for antiga ou tiver contaminação com outras coisas pode ainda assim emitir fluorescência, apontando um caso positivo. Dessa forma não se sabe com certeza se é raiva ou se a mostra está contaminada, gerando um conflito”, explica a professora da Famez Juliana Arena Galhardo, responsável pela pesquisa.

Os pesquisadores da Famez, professores e residentes do Programa de Residência Veterinária, trabalham com a análise molecular que permite entender melhor quais são os reservatórios do vírus. “No caso das amostras de Corumbá, pudemos verificar não só se foi transmitido por cão, mas qual a variante, se havia alguma diferença genética, entre outras questões”, explica a professora.

No Laboratório de Biologia Molecular da Famez, as amostras do sistema nervoso passam por processamento para extração do vírus da raiva. Os pesquisadores observam um fragmento do genoma do vírus em peso molecular. “Inserimos a amostra já processada numa cuba de eletroforese, colocamos em um gel, e aí por diferença elétrica comparamos o peso com a amostra padrão do vírus da raiva – se tiver a banda no mesmo peso é porque é positivo”, expõe Juliana.

O diagnóstico molecular quer buscar o genoma do vírus da raiva dentro da amostra de cérebro. Então é usado o mesmo princípio dos testes de DNA, mas para procurar o vírus.

Fronteira

Tema de sua tese, as pesquisas no Doutorado permitiram à professora Juliana associar que o vírus que estava circulando nos últimos anos entre cães em Corumbá e Ladário, na fronteira com a Bolívia, era muito parecido com de outros cães de outras fronteiras com a Bolívia, como Argentina e Peru.

Isso pode ser feito pela análise genética do vírus, por meio de base de dados, com uso de ferramenta de comparação. O vírus é completamente diferente do que circula em Campo Grande, por exemplo.

“A Bolívia está centralizando o vírus da raiva da América do Sul. Lá o controle é muito fraco. Fora da fronteira com a Bolívia não há circulação de vírus da raiva canina, mas há circulação de outros vírus, como o transmitido por morcegos hematófagos e outras espécies de morcegos”, diz. Em 2006 foi registrado o primeiro surto de raiva com introdução do vírus da raiva da Bolívia.

Na área rural, o morcego hematófago transmite raiva aos bovinos e equinos, principalmente. Na área urbana, acontecem muitos acidentes com outras espécies de morcegos. Alguns animais são encontrados até em prédios, nas varandas dos apartamentos.

“Qualquer animal, se entrar em contato com o vírus da raiva vai morrer, mas até isso acontecer apresenta encefalite, perde a coordenação, porque o vírus infecta o cérebro e ataca o sistema nervoso e muitos desnorteados acabam chegando às residências. Essa presença de morcegos nas cidades é uma realidade e com a verticalização, principalmente de prédios próximos as áreas de reservas, os morcegos acabam invadindo”, expõe a pesquisadora.

Na maioria dos casos as pessoas não sabem o que fazer caso encontrem o animal em casa. A professora alerta que eles não devem ser pegos com a mão sem proteção por luvas apropriadas porque podem ter raiva, mesmo não sendo vampiros, pois a doença também acomete os frugívoros, insetívoros e de outros hábitos alimentares.

De qualquer forma, há preocupação maior quando são registrados casos caninos da doença, porque é mais fácil de o vírus se disseminar entre pessoas pelo cão, por meio de mordidas, do que as pessoas serem atacadas por morcegos.

“Os morcegos doentes vão passar mal, cair, batem na parede, o que não é esperado do animal sadio que tem um ótimo radar. Mas o cão de rua, não se sabe se é agressivo, se tem raiva ou não”, explica a veterinária.

Em qualquer caso de mordida, a vítima deve procurar imediatamente um posto de saúde para a vacinação antirrábica. Este ano já foram registradas, nos estados do Amazonas e Pará, mortes por raiva transmitida por morcegos.

Nos moldes do projeto de extensão LeishNão, a professora pretende montar outro projeto para trabalhar informações importantes com relação à transmissão de raiva, importância da vacinação dos animais domésticos, de mantê-los dentro da residência e não solto nas ruas, entre outras informações que deverão ser repassadas principalmente em atividades nas escolas e nas comunidades.

“Percebemos que há aumento do numero de casos de raiva quando há mal uso de recurso público, mal planejamento do pouco de recurso existente e mal planejamento humano, desconhecimento, um conjunto de erros que desencadeia a raiva humana”, coloca Juliana.

 

Análise espacial

Além da análise molecular, a pesquisa tentou determinar se existe relação da transmissão do vírus por causa da geografia. Foi trabalhada a análise espacial dos casos de raiva bovina no estado.

Professora Juliana Galhardo, coordenadora da pesquisa - Foto: DivulgaçaoA pesquisadora observou os padrões de ocorrência entre os 2003 a 2013, quando foram registrados 214 focos de raiva bovina, 1.914 animais mortos e localizados 307 abrigos de morcegos hematófagos.

A maior parte dos morcegos estava em abrigo artificial, como casas fechadas ou abandonadas, principalmente nas regiões das Serras de Bodoquena e Maracaju, locais de numerosa criação bovina.

“O trabalho na questão espacial compreende tentar achar alguma relação dos locais de abrigo – seja natural ou artificial – de morcego hemátofago com os casos de raiva. Descobrimos na análise dos dados que havia região com bastante abrigo de morcego, mas sem caso da doença, mas em compensação, algumas regiões apresentavam casos de raiva, mas não havia abrigo. Então, alertamos a Iagro para essa situação e o serviço teve de ser reestruturado”, aponta a professora.

Para controlar a raiva bovina, os técnicos da Iagro têm de encontrar os abrigos, onde fazem a captura dos morcegos, classificam os hematófagos e realizam contagem ou estimativa. Uma parcela é capturada com redes finas e recebe pasta vampiricida. Ao voltarem ao abrigo, eles se contaminam e assim são controlados. Mesmo negativos, os vampiros podem ser controlados, porque são os únicos que transmitem pela mordedura, os demais morcegos apenas transmitem raiva por acidente.

Hoje, no Estado, a vacinação de bovinos contra a raiva só e obrigatória nas propriedades a partir da existência de um caso. “Acreditamos que quem já vacinava deve continuar fazendo e os que não estavam vacinando devem ver a importância disso. No ano passado houve muito surto no sul do estado”.

A pesquisa foi agora expandida ao trabalho com animais silvestres, especialmente o desenvolvido com tamanduá bandeira. O Laboratório de Biologia Molecular passou a receber amostras do sistema nervoso dos animais atropelados e está realizando o diagnóstico para o vírus da raiva.

“Muitos morrem atropelados, seria porque realmente são lentos ou porque estariam desnorteados com alguma doença?”, questiona a veterinária. Até o momento foram testadas 43 amostras de cérebro e/ou cerebelo oriundas de 22 animais e todas as amostras foram negativas para raiva.

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